O objetivo é refletir sobre o significado da palavra deficiência sob um viés histórico-social, fundamentado em pesquisa e ciência, com uma leve pitada de desabafos pessoais e humor.
Apresentação
Existem determinados assuntos que afastam as pessoas sem conhecimento, astrofísica, engenharia elétrica, matemática, cardiologia e afins costumam receber o rótulo de “complicados” e isso gera intimidação, as pessoas não comentam por medo. Por outro lado, existem aqueles assuntos que a maioria das pessoas também não tem conhecimento, só que elas acreditam ter e esse é justamente o problema. Culinária, música, política, método científico e educação física são exemplos de assuntos que todo mundo acredita não apenas que entende, mas que domina, inclusive muitos afirmam que especialistas nessas áreas não são necessários.
Esses são assuntos que em uma visão simplista da realidade “são fáceis” e “qualquer pessoa” mesmo sem base acadêmica pode estudar, aplicar para si e ensinar a terceiros “sem risco nenhum” porque não existem riscos se tratando desses temas. Ou seja, nessas questões alguém acha que sabe muito, porém sabe pouco, existe um nome para isso efeito Dunning-Kruger que é chamado assim por conta dos psicólogos que o demonstraram em 1999 David Alan Dunning e Justin Kruger.
- Pessoa sem contato com a deficiência: Aqueles que não possuem nenhum contato com a deficiência partem do referencial de observação do estereótipo de incapacidade, inferioridade e sofrimento constante.
- Mãe de pessoa com deficiência isolada: A mãe de uma pessoa com deficiência, sem contexto de pesquisa e isolada, parte do referencial de observação do luto, da superproteção, da preocupação e dificuldades constantes de todos os tipos.
- Pessoa com deficiência: Uma pessoa com deficiência, baseando-se apenas nas suas vivências e sem o conhecimento histórico da sua condição, parte do referencial de observação do estigma, da falta de acessos e da violência social.
- Profissionais da educação: Profissionais da educação, sem formação em educação inclusiva, partem, muitas vezes, do referencial de observação das crenças na eficácia de 'escolas especiais' e terceirização da docência para o serviço de atendimento educacional especializado.
- Pessoas pesquisadoras: Pessoas pesquisadoras partem do referencial de observação do estudo de caso, da análise de documentos e da comparação de dados. Mas, muitas vezes, sem a vivência da deficiência ou o contato íntimo com uma pessoa com deficiência, não conseguem se aprofundar na complexidade do cotidiano, onde a deficiência se relaciona com o contexto social e outras condições de vida.
- O mercado de trabalho: O mercado de trabalho, que parte do referencial de observação da produtividade, da eficiência e da competitividade, muitas vezes não consegue enxergar a pessoa com deficiência como um ser humano completo, com potencialidades e limitações como qualquer outro ser humano se atendo apenas ao cumprimento de cotas e leis.
- O gênero da pessoa
- Sua etnia
- Sua orientação sexual
- Sua cultura
- Sua religião
- Sua condição financeira
Por isso é importante ser transparente sobre o ponto de vista de quem escreve. Convidamos você, leitor, a pensar sobre o que será apresentado aqui, evitando achar que já sabe tudo sobre o assunto. Este trabalho pode trazer novos conhecimentos, independente da sua experiência prévia com a deficiência.
Este texto foi escrito com base em pesquisas de livros e documentos, usando conhecimentos de várias áreas como história, sociologia e leis. É um texto laico e honesto, sempre deixando claro o que são opiniões pessoais e o que vem de pesquisas, com todas as fontes indicadas.
História da Deficiência
Para entender como a relação entre a humanidade e a deficiência evoluiu, é importante olhar para a história. Como diz a famosa frase, "aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la". Portanto, este texto vai apresentar os caminhos já trilhados e superados ao longo do tempo.
Egito Antigo
Hebreus
Vamos agora falar das crenças dos antigos hebreus sobre a deficiência:
Grécia Antiga
Roma Antiga
Em Roma, os aspectos culturais não eram muito diferentes. Bebês com deficiência congênita eram vistos como "inúteis" e não tinham direito à vida. O infanticídio era legalmente permitido em casos de deficiência, mas a execução era responsabilidade do pai. Muitos pais não conseguiam matar seus filhos, por isso, era comum abandonar essas crianças às margens do rio Tibre. Então, no império romano aconteceu algo que teve impacto direto na história da população com deficiência: a adesão do império romano ao cristianismo.
Idade Média
Entre os séculos V e XV, período que chamamos de Idade Média, a Europa passou por transformações profundas que moldaram sua organização social, econômica e cultural. Durante esse longo intervalo, o sistema feudal se consolidou, estabelecendo relações baseadas na posse da terra, na servidão e na descentralização do poder. Os senhores feudais exerciam autoridade sobre grandes extensões de terra, enquanto os camponeses, obrigados a prestar serviços, cultivavam essas propriedades, criando uma estrutura social que permaneceu dominante por séculos.
Nesse mesmo período, os burgos—núcleos urbanos que tiveram origem em vilas e centros de comércio—começaram a se desenvolver, marcando o surgimento das primeiras cidades medievais. Esses centros urbanos tornaram-se polos para o intercâmbio de bens, serviços e ideias, impulsionando o surgimento de novas formas de organização econômica e social, como as guildas e corporações de ofícios.
No campo intelectual, destaca-se o surgimento da escolástica, método que procurava harmonizar a fé com a razão por meio da análise crítica dos textos clássicos e religiosos. Esse pensamento se desenvolveu intensamente nas primeiras universidades ocidentais, como a Universidade de Bolonha (fundada em 1088), a Universidade de Paris e, posteriormente, a Universidade de Oxford. Essas instituições se tornaram centros de ensino e produção de conhecimento, consolidando o papel da educação na Europa medieval.
Além desses aspectos, a Idade Média foi marcada pela predominância da Igreja Católica, que não apenas influenciou a espiritualidade e a moral, mas também teve um papel central na organização política e cultural. As Cruzadas, por exemplo, evidenciam como a religião mobilizou e interagiu com outras culturas, afetando tanto as relações comerciais quanto os intercâmbios culturais entre o Oriente e o Ocidente.
Durante a Idade Média, as pessoas com deficiência eram tratadas de maneiras muito diferentes e contraditórias. Nessa época, a Igreja Católica tinha muito poder e controlava praticamente todo o conhecimento. Por isso, apenas pessoas da nobreza e religiosos tinham acesso à educação e à cultura. A grande maioria das pessoas, especialmente aquelas consideradas "incapazes" (como eram chamadas as pessoas com deficiência nos documentos antigos), ficava sem acesso.
Com a ideia de que todos eram filhos de Deus, as pessoas com deficiência passaram a ser vistas, pelo menos em teoria, como seres humanos dignos, como explica Cambi:
As leis da época também refletiam essa discriminação. No século XIV, a lei "praerogativa regis" permitia que o governo ou tutores controlassem os bens de pessoas consideradas "lunáticas" até que elas "recuperassem a sanidade". Se alguém fosse acusado de possessão demoníaca, podia ser executado e ter seus bens tomados, mostrando que havia também interesses econômicos por trás dessas perseguições.
Um exemplo importante da época é a **roda dos expostos**. Era uma abertura nas paredes de instituições de caridade onde as mães podiam deixar seus bebês sem serem identificadas. Embora não fosse feita só para crianças com deficiência, muitos bebês que tinham alguma deficiência eram deixados lá porque a sociedade não aceitava pessoas que fossem diferentes do que considerava "normal".
Isso mostra bem como era a Idade Média: mesmo que a Igreja Católica ensinasse que todas as pessoas eram importantes por serem filhas de Deus, na prática, quem era diferente acabava sendo excluído da sociedade. Esse tipo de discriminação continuou influenciando o tratamento das pessoas com deficiência por muito tempo.
Com o enfraquecimento do feudalismo e o crescimento da burguesia, o poder absoluto da Igreja começou a ser questionado. Estudiosos como Paracelso e Cardano começaram a estudar a deficiência de forma mais científica, menos religiosa. Mais tarde, John Locke, em seu livro "Ensaio sobre o entendimento humano" (1689), defendeu que todos nascemos como uma "página em branco" que é preenchida pelas experiências de vida.
Essas ideias influenciaram Denis Diderot a escrever a "Carta sobre os cegos para uso daqueles que enxergam" (1749), que destacava a capacidade de aprendizagem das pessoas cegas. Este trabalho acabou levando à criação do Instituto Nacional dos Jovens Cegos no ano de 1784, em Paris, por Valentin Haüy. Esse instituto foi um marco importante na história da educação para pessoas com deficiência, pois foi o primeiro a oferecer ensino sistemático e especializado para pessoas cegas, desafiando a visão tradicional de que essas pessoas eram incapazes de aprender.
A transição para uma visão mais científica e racional da deficiência começou a surgir com o Renascimento, que trouxe novas ideias e questionamentos sobre a natureza humana.
Renascimento
Entre os séculos XV e XVII com a queda do feudalismo iniciou-se um período histórico conhecido como Renascimento, ele foi marcado por mudanças econômicas, políticas e sociais que oportunizaram um cenário favorável para o desenvolvimento do sistema capitalista. Houve também a retomada do comércio, a substituição da mão-de-obra servil pelo trabalho assalariado, o declínio da influência do clero sobre o Estado e a ascensão da famosa burguesia.
O fervilhar desse caldeirão de mudanças acarretou uma luta de interesses no seio da sociedade, essa luta originou consequências nos valores, nas normas e nas leis elaboradas e aplicadas neste período. Durante o Renascimento, houve uma mudança de perspectiva, deixando de lado a visão teocêntrica (centrada em Deus) e passando a valorizar mais o ser humano e aspectos das culturas greco-romanas. Com isso, surgiram visões mais humanísticas sobre a deficiência.
Segunda Guerra Mundial
A Segunda Guerra Mundial, apesar de parecer um evento distante, terminou em 1945, ou seja, não tem nem 100 anos. O tempo de término da guerra ainda cabe dentro de uma vida humana. Um exemplo disso é a Rainha Elizabeth II da Inglaterra. Quando a guerra começou, ela tinha 14 anos. Mais tarde, como rainha, ela esteve presente no funeral de Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico que liderou o Reino Unido durante a guerra.
No Brasil, Elizabeth II era carinhosamente chamada de Betinha e se tornou protagonista de vários memes, incluindo um famoso que sugeria que seu primeiro animal de estimação foi um dinossauro. Isso é relevante porque muitas pessoas a veem apenas como alguém muito idosa, esquecendo que ela testemunhou inúmeras mudanças significativas. Elizabeth II viu o desenvolvimento da aviação militar e comercial, o nascimento do primeiro computador, a criação da internet e o surgimento de redes sociais como Facebook e Instagram.
Essas transformações tecnológicas, aceleradas pela guerra, fazem com que ela pareça ter vivido por um período excepcionalmente longo, mas na verdade, foi o ritmo das mudanças tecnológicas que foi extraordinário.
Estudar a Segunda Guerra Mundial nas escolas pode dar a impressão de que o conflito é tão distante quanto a Idade Média ou as civilizações greco-romanas. No entanto, historicamente, a guerra aconteceu “ontem”, e ainda estamos colhendo os frutos das revoluções tecnológicas e lidando com os aspectos negativos resultantes dela. Para as pessoas com deficiência, por exemplo, esse período trouxe avanços e retrocessos que ainda são sentidos hoje e precisam ser compreendidos no contexto correto.
Após a derrota na Primeira Guerra Mundial em 1918 para a França, Itália, Reino Unido e Estados Unidos, a Alemanha estava devastada e seu exército se sentia humilhado. Em 1919, acordos resultaram na criação de novos países como Tchecoslováquia, Áustria, Hungria e Polônia. A Alemanha perdeu parte de seu território para a Tchecoslováquia e teve que lidar com as duras consequências do Tratado de Versalhes, que a considerava a principal responsável pela guerra.
Nesse cenário, Adolf Hitler entrou na política em 1919, movido pelo sentimento de derrota e ódio pela rendição alemã.
É de conhecimento geral que Hitler chegou ao poder na Alemanha, assim como Mussolini na Itália, levando ao auge do nazi-fascismo. Em “A anatomia do fascismo”, Paxton descreve em detalhes como o fascismo se estabelece, e podemos aplicar essas observações também ao nazismo.
Ao destacar esses pontos, a citação convida à reflexão sobre como regimes autoritários se estabelecem e persistem não apenas através de ações extremas e figuras carismáticas, mas também através da aceitação e participação de uma ampla gama de indivíduos e grupos sociais. Compreender essa dinâmica é crucial para evitar a repetição dos erros do passado e para promover uma vigilância constante contra a ascensão de regimes semelhantes no futuro.
A chegada de Hitler ao poder na Alemanha não foi um acidente na história, nem ele deve ser visto como uma "encarnação do demônio" ou como uma figura sobrenatural. Hitler era um homem cuja habilidade em usar retórica e propaganda, combinada com as condições específicas da época, permitiu sua ascensão ao poder. Segundo Kershaw (2010):
Galton aplicou esses princípios aos seres humanos e à sociedade, criando o conceito de eugenia, que significa "bem-nascido". Esse conceito mais tarde ficou conhecido como darwinismo social. Na época, Galton foi muito aplaudido e suas ideias foram bem aceitas pela comunidade científica.
Em resumo, a citação revela não apenas a brutalidade e a eficiência crescente do regime nazista em seus métodos de extermínio, mas também a complexidade das reações sociais e institucionais às suas atrocidades. Essa análise ressalta a importância de compreender as fases iniciais da violência nazista para reconhecer os padrões de desumanização e extermínio que se expandiram e intensificaram ao longo do tempo, culminando no Holocausto.
Além dos extermínios, os campos de concentração nazistas também realizaram experiências médicas. No caso das pessoas com deficiência, essas experiências visavam entender as causas dessas condições para tentar evitá-las na chamada "raça ariana". Para que o projeto Eutanásia tivesse sucesso, os médicos analisavam fichas e classificavam as deficiências. Com base nesses diagnósticos, as pessoas eram presas. O programa gerou protestos, por isso o sigilo foi crucial para sua continuidade. Oficialmente, ele foi encerrado em 24 de agosto de 1941, mas, secretamente, continuou ativo.
Com a perspectiva de hoje, parece óbvio que o conceito de "raça superior" não existe e não justifica experimentos desumanos, perseguições e a morte de aproximadamente 6 milhões de pessoas. É fácil olhar para o passado e pensar que toda uma nação era ingênua ou ignorante a ponto de permitir que isso acontecesse. No entanto, havia um mecanismo por trás da ascensão nazifascista.
Tudo começa com a insatisfação popular e um forte desejo de mudança. Em uma sociedade cheia de problemas e inseguranças, surge alguém que não apenas apresenta a solução perfeita, mas também aponta e culpa certos grupos pela situação.
O líder carismático espalha sua mensagem, fazendo o público se identificar com ele, e destaca como a nação é forte e precisa se unir. Ele transforma as opiniões pouco a pouco, até que os ideais absurdos pareçam normais. Por isso, muitos alemães aderiram à ideologia nazista, não de forma clara e direta, mas foram atraídos pela propaganda e pela comunicação persuasiva e ameaçadora.
Identificar um inimigo comum foi crucial para focar o ódio da população. Ser contra o regime nazista significava ser inimigo do povo e do país, trazendo consequências terríveis para a pessoa e para seus familiares e amigos. O nazifascismo aconteceu dessa maneira. Foi assim que Hitler agiu: ele fez a população acreditar que, para a Alemanha se reerguer, era necessário exterminar os "inimigos", as "raças impuras" como judeus, pessoas pretas, pessoas com deficiência, a comunidade LGBT+ e outros. Não é correto pensar que tudo isso passou e não trouxe consequências, boas ou ruins, elas existem até hoje, pois a Segunda Guerra Mundial ainda repercute. Suas causas e sobretudo as suas vítimas não podem ser esquecidas.
Pós-guerra
O fim da guerra trouxe muitas mudanças importantes. Para entender todas elas, seria necessário escrever um artigo completo. Mas, podemos destacar que houve uma nova organização socioeconômica. Muitos impérios europeus caíram, enquanto a União Soviética e os Estados Unidos se tornaram as novas superpotências mundiais, levando ao que conhecemos como Guerra Fria. Em 24 de outubro de 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), que teve grande relevância na história das pessoas com deficiência.
Nos países europeus, foi criado o Estado de Bem-Estar Social, que passou a se preocupar em oferecer assistência à população em geral. Pela primeira vez, houve uma preocupação ampla com as pessoas com deficiência. Isso aconteceu devido ao aumento significativo da população com deficiência após a guerra. Essa questão ganhou importância política, tanto dentro dos países quanto internacionalmente, envolvendo a recém-criada ONU. Diante deste cenário politicas e programas de assistência foram desenvolvidos tendo em vista amparar crianças carentes e órfãs, idosos, pessoas com deficiência, em especial às vítimas da guerra e pessoas em situação de pobreza. Em 09 de dezembro de 1975 a ONU aprova a “Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência” comprometendo-se em seu art. 3º a assegurar para esta população os direitos referentes à igualdade humana.
Em 10 de junho de 1994, ocorreu na Espanha um evento que seria um marco importante na história dos direitos civis das pessoas com deficiência. Nesse dia, a assembleia adotou uma resolução da ONU que estabelecia procedimentos para promover a igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência, com destaque para a educação.
A população com deficiência no Brasil
Como aconteceu em todas as civilizações, no Brasil a história da pessoa com deficiência passa, inicialmente, pelo assassinato, pela morte por falta de assistência, posteriormente pela marginalização e exclusão social, sempre perpassada pelos rótulos de “incapacidade” e “abominação” completa. Assim como na Europa, no Brasil os registros históricos sobre pessoas com deficiência estão contidos em comentários feitos sobre a miséria e doenças existentes entre aqueles que viviam na pobreza extrema.
Silva através da sua publicação "Epopeia Ignorada” de 1987 e Emílio Figueira com sua obra “Caminhando no silêncio: uma introdução à trajetória da pessoa com deficiência na história do Brasil” de 2008 demonstram também que pessoas com deficiência, pertencentes a elite financeira, viviam segregados a margem da sociedade e da política em suas residências, ainda que fossem ricas não possuíam influência.
Emílio Figueira em sua obra de 2008 descreve ações cotidianas das culturas de alguns povos indígenas que habitavam no século XIV o território hoje chamado de Brasil, a história demonstra que existiam infanticídios de crianças com deficiência. Essas práticas de eliminação abrangiam desde crianças que nasciam com deficiência até aquelas que adquirissem, a morte por arremesso em montanhas e o abandono na floresta também eram comuns. Com relação à população africana escravizada no Brasil, documentos oficiais do século XVIII escancaram os maus tratos, a violência e a crueldade dos senhores de engenho e donos de fazendas de café através de seus castigos físicos.
A preocupação com a educação das pessoas com deficiência começou oficialmente em 1854, quando o imperador Dom Pedro II, através do decreto 1428, criou o Imperial Instituto de Meninos Cegos, hoje chamado Instituto Benjamin Constant (IBC). A ideia foi do professor José Alvares de Azevedo, que era cego e estudou no Instituto de Meninos Cegos de Paris.
Ao voltar ao Brasil em 1850, Alvares de Azevedo começou a ensinar Braille para uma menina cega chamada Adélia Sigaud, filha do médico da corte Dr. Francisco Xavier Sigaud. O sucesso de Adélia com o Braille animou seu pai, que conseguiu uma audiência do professor com o imperador, resultando na criação do instituto anos depois.
Em 1857, através da Lei 939 e dos esforços do professor francês surdo Edgar Houet, foi criado o Instituto de Surdos-Mudos, agora conhecido como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Esses dois institutos foram as primeiras iniciativas para a educação de pessoas com deficiência no Brasil e se tornaram centros de referência em toda a América Latina.
Antes deles, as pessoas com deficiência só recebiam cuidados médicos ou caritativos em asilos, sem interesse educativo. Assim, mesmo atendendo poucas dezenas de estudantes nos primeiros anos, o IBC e o INES foram fundamentais para a criação de outras instituições em um país onde a educação ainda era muito limitada.
Como destaca Jannuzzi (2006):
Movimentos sociais e operários se organizaram, houve um aumento na escolarização, e a Constituição de 1934 estabeleceu direitos trabalhistas e o voto feminino. O entendimento sobre os direitos e a capacidade de educação das pessoas com deficiência se ampliou. A educadora Helena Antipoff organizou cursos de formação em psicologia e educação para estudantes com deficiência em diferentes estados brasileiros, fundando, em 1932, a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais.
A década de 1930 também trouxe o movimento higienista, que defendia uma educação eugênica para criar "uma nação forte e saudável". No âmbito escolar, o escolanovismo propôs uma educação laica e gratuita, expressa no Manifesto dos Pioneiros da Educação em 1932. Tanto o higienismo quanto o escolanovismo tiveram impactos históricos na educação das pessoas com deficiência, propondo um entendimento normativo em que estas deveriam ser educadas dentro dos padrões de "normalidade" e determinismo social. Eles entendiam que a educação:
No final da década de 1930, o Estado Novo foi instituído com forte inspiração fascista, retirando direitos políticos e o direito à oposição democrática. Durante o Estado Novo, pouco se discutiu sobre as pessoas com deficiência. Sabe-se que o Instituto Benjamin Constant fechou para reforma, mantendo apenas sua imprensa, mas não se esclarece o destino daqueles que viviam no instituto.
Nesse período, houveram criações de hospitais-escolas, a exemplo do Hospital das Clínicas de São Paulo inaugurado em 19 de abril de 1944, no governo de Getúlio Vargas.
De abril de 1964 a março de 1985, o Brasil viveu o período sombrio do regime / ditadura militar, que torturou, matou e exilou milhares de brasileiros, incluindo muitos intelectuais.
Em 1967, a Constituição Federal daquela época, no artigo 4º, instituiu assistência para maternidade, infância, adolescência e “educação especial de excepcionais”.
Em 17 de outubro de 1987, o Brasil seguiu as recomendações da ONU feitas em 9 de dezembro de 1975, através da "Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência", e modificou a Constituição de 1967. A emenda nº 12 garantiu benefícios às pessoas com deficiência, visando melhorar suas condições socioeconômicas, com foco nos seguintes aspectos:
- Educação "especial" e gratuita.
- Assistência, reabilitação e reinserção socioeconômica.
- Proibição de atos discriminatórios, abrangendo o trabalho e serviços públicos.
- Possibilidade de acessar logradouros e construções públicas.
A partir daqui, serão destacadas algumas leis importantes para a inclusão de pessoas com deficiência na educação, já que houve períodos na história em que necessidades educacionais específicas eram usadas como "um argumento válido" para recusar matrículas em escolas regulares.
No que diz respeito à educação de nível superior, o Programa Incluir destaca-se como uma das principais iniciativas para apoiar a permanência de estudantes com deficiência nas instituições de ensino público. Criado em 2008, o programa é uma parceria entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC), as Secretarias de Educação Superior (SESU) e de Educação Especial (SEESP), e as instituições públicas de ensino superior.
A lei nº 13.146/2015 legitima a cidadania das pessoas com deficiência, ratificando o direito à acessibilidade como fundamental para assegurar os demais direitos dessa população.
A relevância da LBI é tão grande que novos patamares para a perspectiva inclusiva foram alcançados e políticas foram ressignificadas. Uma dessas políticas é a lei nº 12.711, que dispõe sobre a reserva de vagas nas instituições de ensino superior. Em 2016, foi instituída a lei nº 13.409, que altera a lei nº 12.711 que trata da reserva de vagas nas instituições de ensino superior para pessoas pretas, pardas, indígenas, de baixa renda e oriundas de escolas públicas.
A lei nº 13.409/2016 inclui na lei anterior a reserva de vagas para pessoas com deficiência nas instituições de ensino superior reconhecendo a necessidade de garantir a inclusão e a permanência dessas pessoas assim como já era feito com outros grupos sociais minorizados. Essa mudança é um reflexo direto da Lei Brasileira de Inclusão, que ao assegurar a cidadania plena das pessoas com deficiência, destaca também sua vulnerabilidade socioeconômica. É através da compreensão e análise do processo sócio-histórico das pessoas com deficiência que, se torna possível perceber a influência da cultura em deslegitimar os esforços para a inclusão efetiva.
Conceito de deficiência no Brasil hoje
Após analisar, de forma resumida, a história é possível perceber que, como qualquer característica humana, a deficiência está contextualizada, isso significa que a percepção acerca dela depende também do momento histórico e da cultura de cada sociedade. A abordagem sócio-histórica das condições humanas depende de um referencial de observação, dos fatores econômicos, culturais, legais e outros que possam gerar influência sobre uma determinada região. Portanto, não há uma interpretação universal sobre a condição de deficiência, assim como não há uma interpretação universal sobre papéis de gênero, sexualidade e etnias.
Assim como ocorre com outras populações historicamente marginalizadas, há um direcionamento internacional promovido pela Organização das Nações Unidas - ONU, Organização Mundial da Saúde - OMS e outras instituições no sentido da inclusão e do combate ao preconceito contra pessoas com deficiência. Porém, deve-se destacar que cada país e cada Estado lida a seu modo com as questões da deficiência, além disso, cada um possui seus próprios desafios. Esses desafios variam dentro do mesmo país, de região para região, de cidade para cidade, porque são transversais e dependem de cada realidade como em qualquer condição humana.
A seguir, será apresentado o conceito de deficiência instituído pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Desde sua efetivação, essa lei deve nortear a conduta do Estado e das empresas que operam no Brasil, além de assegurar a cidadania das pessoas com deficiência. Conceituar a deficiência a partir da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) é importante porque a lei deve ser cumprida por todas as pessoas que possuem cidadania brasileira e vivem no Brasil, reconhece a luta de uma população inteira por legitimidade junto ao Estado e aborda a deficiência com precisão enquanto característica.
O Modelo Social da Deficiência, por sua vez, é um instrumento essencialmente político.
É com base nesse modelo que a LBI afirma que:
Mulheres, pessoas pretas e pessoas trans, por exemplo, já foram e, em muitos casos, ainda são impedidas de estudar, trabalhar e exercer a liberdade devido ao preconceito e discriminação em relação aos seus corpos. Essas populações enfrentam barreiras sociais e institucionais que limitam suas oportunidades e direitos.
Da mesma forma, pessoas com deficiência não devem ser vistas apenas pelo prisma de suas características biológicas. É fundamental reconhecer que as barreiras impostas pela sociedade e pelas estruturas institucionais contribuem significativamente para a exclusão e a marginalização dessas pessoas.
Ao adotar uma abordagem biopsicossocial, é possível promover uma inclusão mais efetiva, garantindo que todos, independentemente de suas condições físicas ou mentais, tenham acesso igualitário a oportunidades de educação, emprego e participação plena na sociedade.
Texto sobre deficiência feito por pessoa com deficiência
Sou o assunto do depois:
"Nós temos muitos problemas, compreendo sua necessidade, mas depois…"
Duas mentiras, não compreendem e não existe um depois. Mas, sou o assunto de extrema importância:
"É de extrema importância dar atenção às pessoas que são portadoras de necessidades especiais."
Dizem por aí nos discursos em praças públicas, sejam elas reais ou virtuais. Duas mentiras, não consideram tão extremamente importante assim e sequer sabem como se referir, como chamar, ou melhor sequer sabem quem somos nós.
É uma extrema importância relativa, se for uma campanha política precisamos estar lá para fazer as vezes da vítima indefesa sendo acudida pelo político herói no papel de Batman, mas se for na universidade pública aí não é tão importante assim, pois ainda não se sentem preparados para nos receber e lidar com "gente como nós". Não podem nos dar a assistência "especial" que merecemos nos rejeitam no maior estilo "não é você sou eu" e quando essa frase é usada sabemos que sim o problema é você.
Vão enaltecer o grande ato de "bondade" que é se importar com quem eles chamam de "esse tipo de pessoa", daí cantarão uma música para lembrar de como você é "especial" porque as suas dificuldades mostram como as vidas deles poderiam estar piores, mas eles têm sorte, eles são "perfeitos graças a Deus". Sua existência os faz perceber que devem ser gratos e não se queixar de seus problemas, juram que é só para isso que você existe sua "imperfeição" mostra ao mundo que "não existem desculpas para não se esforçar".
Eu também sou o assunto da comunicação:
"Pensando em melhorar nossa comunicação com os deficientes nós da escola — insira qualquer nome aqui — estamos muito felizes em disponibilizar intérpretes para o surdo mudo, o livro dos três porquinhos em áudio para cegos de 47 anos de idade e lápis de colorir para a pessoa com síndrome de Down e deficientes mentais."
Mais mentiras, ninguém pensou em comunicação, ninguém está feliz, sequer sabem os nomes corretos das muitas manifestações da deficiência e não vamos entrar no mérito de confundirem deficiência com uma eterna infância.
Não adianta tentar se comunicar, vão mascarar sua falta de interesse, vão dizer que você "interpretou mal" e que na verdade é só desconhecimento, frases como "lugar de deficiente não é na mesma escola que os normais" são só um inofensivo desconhecimento pode confiar. Se tentar escrever não adianta, não sabem Braille, se usar a sua língua? Para que? Não sabem LIBRAS, chamam de "a moça da mímica para os mudos no quadrado", ainda há quem diga que ela atrapalha a estética do vídeo.
No fim do dia pelo voto da maioria escolheram que o rótulo de todos nós seria "retardado", bravo simplesmente bravo, defendem que os bastidores das nossas dores não devem ser expostos apanhe, mas em silêncio, confundem o que somos, a ignorância a nosso respeito é até esperada. Para completar, nos roubam aos milhões e querem palmas pelas migalhas, se você acha ruim é porque "você não sabe o seu lugar".
Na verdade, nós somos apenas atores ruins performando mal nessa novela mexicana de baixo custo chamada rotina oscilando entre a vontade de ser "normal" e ao mesmo tempo ter destaque. No mundo mediano daqueles que se intitulam "normais", enquanto lutam dia após dia para se diferenciar, nos observam de cima, com ares de "eu tenho o que você não tem" um corpo que "funciona perfeitamente" se comparando com máquinas, que funcionam, apresentam defeitos e trocam de peças.
Do alto de sua superioridade mecanicista perfeita o mundo "normal" se comporta como uma celebridade, nos ilude que são um ideal a ser alcançado, por nós "máquinas defeituosas" e que vale tudo para estar na média sacrifícios que jamais fariam, mas nos recomendam sem nunca deixar de "sonhar com a cura". Mas, se perguntarmos: "Normal" como posso existir na universidade pública, no trabalho, na vida se já entre os seus, outras minorias, porém sem deficiências, há tanta impossibilidade consequência das questões sociais de gênero, etnia, sexualidade e falta de dinheiro? Como eu, que também sou tudo que suas minorias são, porque sou através de muitos corpos parte de todos os espaços, posso ter equidade?
Então como em um xeque-mate de xadrez entra em cena o assunto que mais sou, o exemplo de SUPERAÇÃO São tantas mentiras que é até difícil, mas que diferença isso faz? Afinal de contas, se muitos comunicam o que ninguém compreende ou se interessa é como se nada, absolutamente nada fosse dito.
"O nosso palestrante de hoje é o Aleatório, ele é deficiente visual total, total de nascença mesmo gente, um exemplo de superação para todos aqui. Esse menino lindo, guerreiro que vai falar com a gente hoje tem 39 anos, é formado, fez doutorado no exterior, é filho do dono da maior rede de construção civil do estado que provavelmente emprega muitos de vocês aqui que não sabiam do filho porque o pai tem vergonha dele, enfim... Ele comprou muitos dos seus materiais fora do país, teve uma equipe particular dentro de casa para prestar consultoria de acessibilidade privada para sua escola particular e ao seu cursinho pago, tudo no sigilo. Vamos ignorar o fato de que apesar de cego ele ainda é um homem, branco, heterossexual talvez porque deficiente não pensa em sexo, é cristão e acima de tudo rico, muito rico, muito rico mesmo."
"Não precisa focar nisso porque a sua imperfeição já é o bastante para ensinar sobre como não desistir dos seus sonhos para nós que somos perfeitos e não devemos reclamar das coisas e para qualquer deficiente do Brasil, de qualquer lugar, com qualquer deficiência, de qualquer condição social e econômica porque isso não importa com vocês aleatório. PS. Façam de conta que estão prestando atenção e usem o celular discretamente enquanto ele palestra, obrigada."
Ainda que a paciência de Jó paire sobre nós para que expliquemos cada uma das incoerências os Pinóquios da meritocracia vão dizer:
"Mas, eu apesar de não ser assim né, também sofri muito para estar onde estou, o dinheiro era contado, o ônibus era lotado e tive as minhas crises na faculdade, na família e comigo porque eu tenho problemas para lidar com muitas coisas também..."
E por aí vai! Nessa perspectiva tratam como uma equivalência legítima as dificuldades de uma pessoa pertencente ao "mundo normal" e as da deficiência, literalmente querem dizer que apesar de não ter vivências conseguem compreender perfeitamente. Afinal ambas passam pelas mesmas coisas só que tem uma diferença pequena, a deficiência, coisa pouca. Quem pensa assim, como se o sofrimento cotidiano de uma pessoa por qualquer que seja a dor não tem diferença mesmo colocando a deficiência no contexto, porque são todas manifestações supostamente da mesma coisa, aflições humanas e percalços que todo mundo passa, é simplista, ignorante e preconceituoso ainda que sem intenção.
A deficiência não é um adicional, como ketchup no hamburger e batatas fritas que podem acompanhar ou não o lanche sem alterá-lo, ela é uma característica que se soma a todas as outras sim, entretanto não é com impacto sutil ou imperceptível. Isso não é verdade nem para o "mundo normal mediano" onde outros marcadores sociais já fazem diferença, ser mulher branca ou mulher preta, ser mulher rica ou mulher pobre, ser mulher heterossexual ou mulher lésbica já muda todo o contexto. Como a deficiência sendo uma característica que de forma inerente vai alterar as relações de comunicação com o mundo por meio de impedimentos de longo prazo, sejam eles de natureza física, mental, intelectual, sensorial e afins pode não ter impacto? Se justamente a interação dessas características com informações, espaços físicos, atitudes de pessoas sem deficiência e segregações oriundas disso é que criam as barreiras e o mundo paralelo de quem é julgado como imperfeito por não ser adequado ao "mundo normal".
A deficiência é simplesmente a característica capaz de unir todos os outros preconceitos, mulheres ao longo da história lutaram pela sua Independência da figura masculina e sejam elas brancas ou pretas, ricas ou pobres, heterossexuais ou lésbicas, trans ou cisgêneros, se não forem pessoas com deficiência e estiverem imersas em um contexto de ignorância dessa condição elas vão concordar que a mulher com deficiência precisa de tutela. Vão concordar também que ela precisa de cuidados e precisa de assistência familiar até o fim da vida, a despeito de seus desejos, que são irrelevantes.
As próprias mulheres não param para se questionar sobre o que fariam se fossem violentadas e não tivessem a possibilidade de denunciar a agressão, não por falta de vontade ou porque estão com medo, mas pelo fato de serem surdas e LIBRAS ser a sua língua mesmo querendo não conseguiriam. As lésbicas não cogitam a possibilidade de haver mulheres lésbicas com deficiência na maioria das vezes, as mulheres trans (em alguns casos atreladas ao medo que a transfobia gera de não serem lidas como uma mulher, o que por si só ameaça a sua vida) acabam cultuando aos padrões estéticos e de beleza da normatividade e julgam com superioridade a condição de deficiência.
Todas as mulheres pretas, que muitas vezes são mães solteiras e possuem filhas com deficiência, quantas não questionam Deus porque a sua filha não pode "ser normal" e trabalhar, ajudar nas contas de casa, ter uma vida "normal e de felicidade" ainda que elas próprias não sejam felizes, elas amam com ressalvas causadas pelo repúdio a deficiência então como não faz diferença? Pense nisso para outras esferas, escolas, universidades, hospitais e a sociedade inteira.
"Minha amiga teve um filho com deficiência e precisa aceitar, afinal de contas a criança não tem culpa..."
Diz a pessoa que ao ter um bebê com deficiência não se "conforma", não "aceitaria" nunca. Agora vamos dar alguns exemplos, para ver se de uma vez por todas entendem as diferenças com um exercício de lógica.
A maioria da população é pobre, se isso for verdade e é, então a maioria das pessoas que nascem e adquirem deficiências também é pobre e herda todos os marcadores sociais só que de maneira proporcional. O que isso significa? Que se a maioria das pessoas é pobre, preta e parda, então a maioria das pessoas com deficiência também o será. Quantas terão dinheiro para os melhores acompanhamentos profissionais? Para comprar todas as tecnologias que são apropriadas às suas condições? Ou melhor, quantas famílias sequer sabem que essas tecnologias existem? A maior parte das pessoas de baixa renda trabalha em serviços denominados braçais, como um trabalhador com deficiência se insere? Quantos terminam a escola? Quantos se capacitam? Quantos estão na universidade e mais quantos estão na universidade pública? Por que não querem? Ou por que não podem?
As pessoas com deficiência, somando todas as deficiências, são menos de 10% dos acadêmicos no ensino superior do Brasil, será que não querem? Qual acadêmico SEM deficiência ao sair para a faculdade e chegar suado e cansado no ponto de ônibus teve a porta do veículo batida em seu rosto e um motorista gritando "o elevador está quebrado, pega o próximo" e esse próximo demorar três horas, não porque os ônibus não passam, mas porque não comportam a cadeira de rodas? Ah! Na verdade, o acadêmico sem deficiência não usa cadeira de rodas, ou bengalas, ou andadores.
Qual acadêmico sem deficiência ouve "se você fosse autista de verdade não estaria na faculdade" ou precisa lidar com professores que dizem coisas como "lugar de cego não é na faculdade" e dão aulas usando expressões como "aqui, em vermelho como vocês podem ver"... Nenhum! Não dá para correr atrás do ônibus porque não podemos pegar todos os ônibus, não dá para sofrer estudando para as difíceis provas de cálculo porque estudar é a última coisa que conseguimos e por mais que digam "sua obrigação é só estudar" no nosso caso é uma mentira. Quando paramos para estudar já estamos cansados de lutar por acessibilidade, acessibilidade, acessibilidade. Daí a pergunta: Você já teve a sensação de estar gritando em uma câmara de silêncio? Quando você demonstra a cada centímetro do seu corpo o tamanho da sua dor! Mas, apesar das palavras, apesar das suas expressões, apesar dos mil e um apelos subjetivos que você deixa escapar como um sinalizador de navio à deriva ninguém consegue entender. O silêncio reina e sufoca todos os pedidos desesperados de ajuda, ainda que venham de uma multidão, se muitos comunicam o que ninguém compreende ou se interessa é como se nada, absolutamente nada fosse dito.
Não é só sobre se aceitar é sobre se fazer entender em suas nuances particulares, não é só sobre superar as barreiras é sobre ter condição para primeiro perceber que elas existem, não é só pedir ajuda, precisa encontrar primeiro alguém que possa ajudar sem "busque a cura" ou "como cegos limpam a bunda?" é sobre estar sozinho até mesmo no escopo dos excluídos. Antes de estudar tem que pensar em como vai ser, antes de trabalhar tem que convencer alguém a contratar, até para namorar tem que mostrar que pode e se precisar de psicólogo tem que desconstruir ele primeiro, ensinar o terapeuta a fazer terapia, o professor a dar aulas, o médico a exercer medicina, saber tudo sobre todos os papéis porque afinal de contas você é uma pessoa com deficiência.
"Nós o mundo estamos aprendendo e você precisa entender que é um processo lento, demorado e gradual precisamos de você para nos ensinar mesmo que não tenhamos vontade de aprender, você precisa compreender e ter paciência conosco, precisa ser resiliente, persistente, autossuficiente e ter bom humor. Enquanto isso nós… Bom na verdade nós nada, sorte sua se convencer alguns de que tem razão, parece injusto? Você precisa se esforçar, é assim com todo mundo, você não é especial."
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